ANA PORPINO

Nascida em 1994, no Recife, Ana Beatriz veio ao mundo trazendo consigo uma melodia única e indecifrável, que só o tempo revelaria. Desde cedo, seu silêncio era vasto, e sua presença, embora sutil, ocupava um espaço singular. Seus olhos, sempre atentos, viam as coisas de um modo que os outros não viam — captavam sutilezas nas sombras, nos intervalos das palavras, nos gestos que passavam despercebidos. Naquela época, os anos 90 e 2000 não conheciam o nome do que hoje sabemos chamar neurodivergência. E assim, Ana navegava em águas desconhecidas, sozinha, com o coração e os pensamentos guardados em um espaço onde poucos conseguiam chegar.

Aos seis anos, uma sombra marcante atravessou sua vida quando presenciou a morte pela primeira vez, um evento que se cravou nela como um segredo velado e invisível, alterando para sempre seu olhar. As cores do mundo pareciam diluir-se em tons mais profundos, e a solidão tornou-se um refúgio e uma prisão ao mesmo tempo. Na escola, suas peculiaridades chamavam a atenção; era como se houvesse uma fronteira invisível entre Ana e as outras crianças. A psicóloga sugeriu psicoterapia, um caminho para se conectar. Mas foi na arte que ela encontrou a verdadeira saída.

Em 2003, aos nove anos, com o carinho e o incentivo dos avós paternos, de sua mãe e de seu pai, Ana foi apresentada ao universo da pintura a óleo. Sob a orientação de Roberto Silva, artista local e professor em Camaragibe-PE, pintou sua primeira tela: um ipê amarelo solitário em um campo de colinas azuis, sob um céu suave onde as nuvens levemente violetas deslizavam. Naquela simplicidade, algo se abriu — talvez uma fresta pela qual suas emoções pudessem escapar e ganhar vida. A pintura tornou-se, então, uma linguagem, uma voz que traduzia suas emoções mais profundas.

Ao longo dos anos, as telas de Ana foram se multiplicando, cada uma um espelho íntimo, revelando paisagens emocionais que nenhum olhar direto poderia alcançar. E embora a arte tenha se tornado sua maior verdade, ela nunca vendeu uma tela sequer. Para Ana, a expressão do que é verdadeiro não pode ser medida em cifras. Aqueles que possuem suas obras as têm porque ela as doou, como quem entrega um fragmento de si mesma.

Hoje, aos 30 anos, Ana é médica por formação. Porém dedica-se à escrita e à pintura em seu tempo livre, uma paixão que cultiva há 21 anos. Com um livro em processo de publicação chamado “As Flores do Nosso Adeus”, Ana elabora em suas páginas e em suas telas cada passo de sua jornada emocional ao longo da vida, uma confissão silenciosa, uma vertigem de cores que revela sua alma. É o encontro entre o passado e o presente, onde o ipê amarelo ainda floresce, agora acompanhado das paisagens de uma vida marcada pela busca incessante de compreensão e de paz.